quarta-feira, 3 de maio de 2017

Inimigos


"Perguntei-lhe se não era verdade. porém, que os bens eram acumulados pelos senhores e bispos, através dos dízimos, e que portanto os pastorzinhos não estavam combatendo seus verdadeiros inimigos. Respondeu-me que, quando os inimigos verdadeiros são demasiados fortes, é preciso então escolher inimigos mais fracos. Refleti que por isso os simples são assim chamados. Somente os poderosos sabem com muita clareza quem são seus verdadeiros inimigos."

Acrescento que os chamados "inimigos mais fracos" de Salvatore, um "simples", eram os judeus.

As hordas que percorriam as estradas e povoados na Europa medieval saqueavam prioritariamente as propriedades de judeus.

Perceba que Umberto Eco, em seu consagrado romance "O Nome da Rosa" (de onde tiramos o excerto acima), coloca na Idade Média temas polêmicos atualíssimos.

No caso das heresias, que induziam os "simples" por força de um pregador a saírem campo a fora saqueando, vale uma leitura do capítulo em que Adso, confuso, tenta entender as variadas heresias, assim julgadas pela igreja através da inquisição. 

É o franciscano Guilherme  que tenta trazer para o noviço Adso um pouco de entendimento sobre os conflitos da época, especialmente em relação às várias ordens religiosas, como também entre a igreja e os "laicos" representados pelos senhores feudais e os príncipes.

Em suma, os "hereges"  também eram usados contra os inimigos dos vários lados em disputa pelo poder, quando não dirigidos contra o "inimigo mais fraco".

Heresias podiam, por outro lado, serem condenadas ou aceitas pelo Papa, de acordo com as conveniências, como nos mostra Umberto Eco nesse diálogo entre Adso e Guilherme.

" E por que alguns os apóiam?"

" Porque servem ao seu jogo, que raramente diz respeito à fé, e mais frequentemente à conquista do poder."

 " É por isso que a igreja de Roma acusa de heresia todos os seus adversários?"

" É por isso, e é por isso que reconhece como ortodoxia a heresia que pode reconduzir para seu controle, ou que deve aceitar porque se tornou muito forte e não seria bom tê-la como adversária."

É ou não é atualíssima essa obra-prima de Umberto Eco, caro e raro leitor?...


Porto Alegre, 03 de maio de 2017.

Foto do filme "O Nome da Rosa"

Edu Cezimbra


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